Artigo: Olivetti, Pai, Consciência Negra: por uma sociedade antirracista

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Eu juro ter escutado a velha Olivetti datilografando o texto…

Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Ontem meu pai completaria 68 anos, data que ele admirava, não por ser seu aniversário, todavia por ser a data da “Consciência Negra”. Uma data que ele sempre comemorou e lutou para que fosse respeitada.

Pouco antes do meu pai falecer em 2020, havia mostrado a ele o livro da filósofa, Djamila Ribeiro, membro da APL (Academia Paulista de Letras), ganhador do Prêmio Jabuti daquele ano, “Pequeno manual antirracista”, logo ele me apresenta: “Não basta ser contrário ao racismo, faz-se necessário que sejamos antirracista”. Meu pai era um ativista. Um bravo guerreiro no combate ao racismo.

Lembro-me que certa vez, mais precisamente no ano de 1992, ao me dirigir a uma das poucas locadoras da minha cidade natal, Taquaritinga-SP, na época, fui abordado pela dona do estabelecimento que não me deixou retirar a fita desejada, alegando que eu em nada parecia com o meu pai – dono da conta. Insisti mostrando o meu Registro Geral, porém a dona negou e me impediu de assistir ao filme escolhido. Um gesto claro e comum, em uma época em que o racismo desfilava e ficávamos quietos. Na escola não era diferente, comparações, menosprezo sempre estiveram na pauta daqueles discentes que gostavam de mostrar superioridade étnica, e da discriminação dos poucos alunos negros faziam valer sua pseudoautoridade. Havia aqueles professores que reprimiam esse tipo de comportamento, no entanto era normal para muitos docentes que observavam tais atitudes.

Essas e outras situações pelas quais passei (e ainda passo), não são isoladas, pelo contrário, hoje são escancaradas e alimentadas como livre expressão, como se o ser humano tivesse que ser julgado pela cor de sua pele, pela sua origem, condição social etc. Em um país, cujo presidente da República brada contra os quilombolas e o gestor da principal fundação de combate ao racismo é contrário às políticas de combate ao racismo, consequentemente muitos dos nossos cidadãos assim o serão. Nelson Mandela tem uma frase que acaba resumindo estas atitudes nefastas: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”. Esta atitude de discriminação nasce em casa, é alimentada pela família e ganha adeptos em função dessa corrente que se espalha. Embasada em um pensamento ascendido durante a expansão científica do século XIX, enraizada pelo Determinismo de Taine e difundida através de obras literárias que não aferiram às consequências. Se por um lado tivemos obras que lutaram contra o racismo em nossa sociedade, diversos autores foram contrários ao final da escravidão e continuaram a achar que o negro deveria ser explorado. Apesar de serem grandes autores: José de Alencar e Monteiro Lobato foram racistas, insistiram em sua desumanidade, assim como muitos até hoje carregam esse veneno prontos a lançá-lo em nome da liberdade de expressão.

Investir-se em educação, enfatizar essa luta sistematicamente através da mídia, faz-se necessário e vital. Não podemos mais conviver com tanta desumanidade. É preciso ser antirracista.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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